#24 - Jó tem saudade dos dias de glória


E Jó continuou a sua fala e disse: Ah! Se eu pudesse voltar meses atrás, para os dias em que Deus me protegia! Naquele tempo, Deus iluminava o meu caminho, e com a sua luz eu podia andar na escuridão. Naqueles dias, eu estava bem de vida, e a amizade de Deus era a proteção do meu lar. O Todo-Poderoso estava comigo, e os meus filhos viviam ao meu redor. Em casa sempre havia leite à vontade e também azeite, tirado da oliveiras plantadas entre as pedras. 

Quando eu saía para a reunião do tribunal e me assentava entre os juízes, os moços me viam e abriam passagem, e os idosos se punham de pé. As pessoas mais importantes paravam de falar e ficavam em silêncio. As autoridades se calavam; não diziam mais nada. 

Quem me ouvia falar me dava parabéns; os que me viam falavam bem de mim, pois eu ajudava os pobres que pediam ajuda e cuidava dos órfãos que não tinham quem protegesse. Pessoas que estavam na miséria me abençoavam, e as viúvas se alegravam com o meu auxílio. A minha justiça e a minha honestidade faziam parte de mim; eram como a roupa que eu uso todos os dias.

Eu era olhos para os cegos e pés para os aleijados. Era pai dos pobres e defensor dos direitos dos estrangeiros. Eu acabava com o poder dos exploradores e livrava das suas garras as vítimas. 

Eu pensava assim: Vou viver uma vida longa e morrer em casa, com todo o conforto. Serei como uma árvore de raízes que chegam até a água, uma árvore que todas as noites é molhada pelo orvalho. Todos só falarão bem de mim, e eu serei sempre vigoroso e forte. 

Todas as pessoas me davam atenção e em silêncio escutavam os meus conselhos.  Quando acabava de falar, ninguém discordava. As minhas palavras entravam na cabeça deles como se fossem gotas de água na areia. Todos as esperavam ansiosos, como se espera a chuva no tempo de calor. Eu sorria para aqueles que tinham perdido a esperança; o meu rosto alegre lhes dava coragem. 

Eu era como um chefe, decidindo o que eles deviam fazer; eu os dirigia como um rei à frente do seu exército e os consolava nas horas de aflição. (Jó 29)

Mas agora homens mais moços do que eu zombam de mim. 

Os pais deles não valem nada; eu não poria essa gente nem com os cachorros que cuidam do meu rebanho. De que me serviria a força dos seus braços? São homens magros, enfraquecidos de tanto passar fome e miséria. À noite, na solidão de lugares desertos, eles têm de roer raízes secas. Pegam ervas e cascas de árvores e se alimentam de raízes que não servem para comer. São expulsos do meio das pessoas, que os espantam, aos gritos, como se eles fossem ladrões. Têm de morar em barrancos medonhos, em cavernas ou nas rochas. Uivam no meio das moitas e se ajuntam debaixo dos espinheiros. 

Raça inútil, gente sem nome, são enxotados do país. Mas agora essa gente vem e zomba de mim; para eles não passo de uma piada. Sentem nojo de mim e se afastam e chegam até a me cuspir na cara. 

Deus me enfraqueceu e me humilhou, e por isso, furiosos, eles se viram contra mim. Essa raça de gente ruim me ataca, me faz correr e procura acabar comigo. Eles não deixam que eu fuja, procuram me destruir, e ninguém os faz parar. Entram por uma brecha da muralha e no meio das ruínas se jogam contra mim. 

Eu fico apavorado. 

A minha honra foi como que varrida para longe pelo vento; a minha prosperidade passou como se fosse uma nuvem. 

Agora já não tenho vontade de viver; o desespero tomou conta de mim. 

De noite os ossos me doem muito; a dor que me atormenta não pára. Deus me agarrou pela garganta com tanta violência, que desarrumou a minha roupa. Ele me atirou na lama; eu não valho mais do que o pó ou a cinza. 

Ó Deus, eu clamo pedindo a tua ajuda, e não me respondes; eu oro a ti, e não te importas comigo. Tu me tratas com crueldade  me persegues com todo o teu poder. Fazes com que o vento me carregue e numa tempestade violenta me jogas de um lado para o outro. 
Bem sei que me levarás à Terra da Morte, o lugar de encontro marcado para todos os vivos. 

Por que atacas um homem arruinado, que não pode fazer nada, a não ser pedir piedade? Por acaso, não chorei com as pessoas aflitas? Será que não tive pena dos pobres? 

Eu esperava a felicidade, e veio a desgraça; aguardava a luz, e chegou a escuridão. O meu coração está agitado e não descansa; só tenho vivido dias de aflição. Levo uma vida triste, como um dia sem sol; eu me levanto diante de todos e peço ajuda. A minha voz é um gemido triste, como os uivos do labo ou os gritos do avestruz. A minha pele está ficando preta, e o meu corpo queima de febre. Eu costumava ouvir a música alegre de liras e flautas, mas agora só escuto gente chorando e soluçando. (Jó 30)

Eu jurei que os meus olhos nunca haveriam de cobiçar uma virgem. Se eu tivesse quebrado o juramento, que recompensa Deus me daria, e como é que lá dos céus o Todo-Poderoso me abençoaria? Pois Deus manda a infelicidade e a desgraça para aqueles que só fazem o mal. 

Deus sabe tudo o que faço; ele vê cada passo que dou. Juro que não tenho sido falso e que nunca procurei enganar os outros. Que Deus me pese numa balança justa e ele ficará convencido de que sou inocente! 

Se por acaso me desviei do caminho certo, se o meu coração foi levado pela cobiça dos olhos, se pequei, ficando com qualquer coisa que pertence a outra pessoa, então que outros comam o que eu semeei, ou que as minhas plantações sejam destruídas. Se o meu coração alguma vez foi seduzido pela mulher do meu vizinho, e se fiquei escondido, espiando a porta da casa dela, então que a minha mulher se torne escrava de outro, e que outros durmam com ela. 

Se eu tivesse cometido esse crime horrível, o tribunal deveria me condenar. Esse pecado seria como um incêndio terrível, infernal, que destruiria tudo o que tenho. Quando um empregado ou empregada reclamava contra mim, eu resolvia o assunto com justiça. Se eu não tivesse agido assim, que faria quando Deus me julgasse? Que responderia, quando ele pedisse conta dos meus atos? Pois o mesmo Deus que me criou, criou também os meus empregados; ele deu a vida tanto a mim como a eles. 

Nunca deixei de ajudar os pobres, nem permiti que as viúvas chorassem de desespero. Nunca tomei sozinho as minhas refeições, mas sempre reparti a minha comida com os órfãos. Eu os tratava como se fosse pai deles e sempre protegi as viúvas. Quando via alguém morrendo de frio por falta de roupa ou notava algum pobre que não tinha com que se cobrir, eu lhe dava roupas quentes, feitas com lã das minhas próprias ovelhas, e ele me agradecia do fundo do coração. Se alguma vez fui violento com um órfão, sabendo que eu tinha o apoio dos juízes, então que os meus braços sejam quebrados, que sejam arrancados dos meus ombros. 

Eu nunca faria nenhuma dessas coisas, pois tenho pavor do castigo de Deus e não poderia enfrentar a sua presença gloriosa. 

Jamais confiei no ouro; ele nunca foi a base da minha segurança. Nunca me orgulhei de ter muitas riquezas, nem de ganhar muito dinheiro. Tenho visto o sol brilhar e a lua caminhar em toda a sua beleza, porém nunca os adorei, nem em segredo, e não lhes atirei beijos com a mão. Se tivesse cometido esse terrível pecado, eu teria sido infiel a Deus, que está lá em cima, e o tribunal deveria me condenar. Jamais me alegrei com o sofrimento dos meus inimigos, nem fiquei contente se lhes acontecia alguma desgraça. E nunca fiz uma oração pedindo a Deus que matasse algum deles. Os empregados que trabalham para mim sabem que os meus convidados comem à vontade, do bom e do melhor. Nunca deixei um estrangeiro dormir na rua; os viajantes sempre se hospedaram na minha casa. Jamais procurei encobrir as minhas faltas, como fazem algumas pessoas, nem escondi no coração os meus pecados. Nunca tive medo daquilo que os outros poderiam dizer; não fiquei dentro de casa, calado, com receio de que zombassem de mim. 

Como gostaria que alguém me ouvisse! 

Aqui eu termino e assino a minha defesa; que o Todo-Poderoso me responda! Que o meu Adversário escreva a acusação, e, com orgulho, eu a carregarei no ombro e a porei na cabeça como se fosse uma coroa! Darei conta a Deus de todos os meus atos e na presença dele ficarei de cabeça erguida. As minhas terras nunca choraram, nem gritaram ao céu contra mim. Pois, se comi os seus frutos, sempre paguei os trabalhadores como devia e jamais deixei que morressem de fome. Se não estou dizendo a verdade, então que nas minhas terras cresçam espinhos em vez de trigo e mato em vez de cevada. Aqui terminam as palavras de Jó. (Jó 31) 

OBSERVAÇÃO: Devido a esta descrição do trabalho de Jó, muitos comentadores acreditam que ele fosse um juiz. Nos dias de Jó, um juiz servia tanto como conselheiro da cidade quanto magistrado, ajudando a gerenciar a comunidade a resolver disputas.







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

#126 - Os 10 mandamentos

#146 - A função de Eleazar, o filho de Arão e sobrinho de Moisés

#147 - As responsabilidades dos coatitas: grupo de famílias de Coate